Patti Anahory é uma arquiteta e ativista urbana, cuja trajetória profissional passa pela academia e actividade privada, e que está a abraçar as oportunidades narrativas dos mídia digitais para comunicar as estórias, os problemas e as potencialidades das cidades africanas contemporâneas.
Vinda de Cabo Verde, Anahory estudou nos Estados Unidos da América. O seu trabalho académico sempre abordou questões políticas, sociais e de género na arquitectura. Após uma visita à África do Sul em 1996, começou a focar-se nas diversas e heterogêneas condições da África urbana tanto nos seus projectos académicos como profissionais. Durante os seus estudos de pós-graduação na Universidade de Princeton (EUA), escolheu trabalhar a relação entre a violência e o espaço no contexto da África do Sul. Subsequentemente, a sua tese de Mestrado, baseou-se num concurso internacional da UNESCO para a concepção do memorial da escravatura em Dakar, Senegal – um projeto que lhe permitiu aprofundar questões geopolíticas, socioculturais e de identidade no pensamento sobre o espaço e a arquitectura, sobretudo em África.
Em 2000, Anahory ganhou a prestigiada bolsa Rotch Travelling Scholarhip através de um concurso de projeto de arquitetura, em duas etapas. O prémio concedido permitiu-lhe realizar um Tour arquitetónico de sua própria escolha. Foi, até então, a segunda mulher a ser premiada nos 117 anos do concurso, e a primeira vencedora a escolher viajar pela África subsaariana, desafiando a ideia das viagens tradicionais à Europa. Optou por relatar sobre a apropriação do território e seus usos culturais, e o seu engajamento com diversas práticas de produção do espaço no continente africano, em vez de focar-se na arquitetura como forma construída. Durante um ano, ela viajou por 13 países no continente.
Em 2008, após cerca de 23 anos nos Estados Unidos, Anahory regressou de visita a Cabo Verde e foi desafiada a aceitar o cargo de Diretora para implantar um novo centro de investigação focado na ocupação do território e no desenvolvimento local: o Centro de Investigação em Desenvolvimento Local e Ordenamento de Território (CIDLOT) da Universidade de Cabo Verde.
“Uma das minhas responsabilidades foi estabelecer uma agenda de investigação abordando questões que achamos relevantes para Cabo Verde nessa altura. Devido às limitações de fundos da universidade para este tipo de produção de conhecimento, a coordenadora de investigação e eu tivemos que, muitas vezes, usar o apoio da nossa formidável rede de colegas e parceiros/as dos Estados Unidos, do Brasil, do continente Africano – para implementar uma série de actividades e palestras, a partir de uma perspectiva contra-hegemônica, sobre, entre outras, os impactos da globalização neoliberal em África, as complexidades do crescimento urbano no continente, impactos ambientais, habitação, identidade, assentamentos e ocupação territorial. Também problematizamos outras questões tais como o currículo Eurocêntrico adotado acriticamente e os paradigmas utilizados na academia para pensar a arquitetura e o papel dos arquitetos e arquitetas nos diversos contextos Africanos.”
No entanto, não era possível para o centro desenvolver pesquisa autônoma – isto é, a produção da própria literatura científica, com a devida profundidade sem o financiamento adequado.
“Isto é um problema estrutural em vários países Africanos, onde académicos dependem da vontade de governantes com pouca compreensão da prioridade, a longo prazo, da produção de conhecimento endógeno – mas governos são muitas vezes obrigados a priorizar as necessidades mais prementes como a redução da pobreza, saúde e serviços básicos. As universidades acabam por entrar em parcerias com instituições Europeias, na maioria das vezes com as suas próprias agendas e sem que a verba de fomento possa ser destinada às equipas africanas. Nessas condições, não há como contribuir para novas perspectivas ou para a universidade beneficiar do financiamento recebido para uma agenda e um desenvolvimento epistemológico próprios.”
Depois de se afastar da academia em 2012, Anahory co-fundou, com a arquiteta e urbanista Andréia Moassab e o transmídia designer Salif Diallo, o XU:Collective, um coletivo interdisciplinar de arte que propõe uma compreensão crítica e abordagens alternativas integradas sobre as dinâmicas urbanas, a arquitetura, os estudos ambientais e intermídia.
Oprimeiro projeto do XU:Collective procurou provocar um olhar crítico sobre quatro questões específicas em Cabo Verde relacionadas com a injustiça ambiental e social e as mudanças climáticas – o impacto do turismo de massa, o difícil acesso a água em regiões muito áridas pela população mais carenciada, a apanha de areia para venda, principalmente como trabalho de baixa remuneração para as mulheres e raparigas que não possuem outros meios de sobrevivência, e a coleta de lenha pela população economicamente desfavorecida para uso como combustível para cozinhar.
Um exemplo de alto impacto é a questão do turismo, onde áreas extensas das ilhas estão a ser utilizadas para projetos de turismo all-inclusive e em quatro das nove ilhas do país, aeroportos internacionais recebem turistas diariamente, que enchem os hotéis, de capital internacional, e pouco movimentam o comércio local – que além de tudo sofre com o impacto destas obras de grande porte.
“O nosso coletivo de artistas e arquitetas, utiliza a linguagem artística para comentar sobre algumas das estratégias a serem adotadas pelo nosso país e para falar de abordagens a um desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente sustentável através de outras formas de intervenções e linguagens visuais, exploradas no mundo virtual e digital. A XU:Collective aborda as dinâmicas do acelerado crescimento urbano, as alterações climáticas e os modelos de desenvolvimento em implementação em Cabo Verde”.
Anahory complementa: “Atualmente a XU: Collective é um pequeno atelier multidisciplinar e colaborativo, no entanto, faz parte de uma rede de colegas mais ampla, também preocupada em contemplar as questões dos impactos sociais e ambientais em África .
Atualmente Anahory está a colaborar com o fotógrafo e cineasta César Schofield Cardoso na criação de uma plataforma interativa online – – na qual arquitetos/as, artistas, sociólogos/as, ativistas e as próprias comunidades criam webdocumentários a abordar as vidas e o trabalho das comunidades marginalizadas nas cidades africanas.
“Criamos uma metodologia em torno da troca de conhecimento através da realização de atividades de mapeamentos participativos e várias formas de auto representação que nos permite aprender mais sobre como as pessoas vivem e negociam os seus espaços. Com o conhecimento que partilhamos sobre representação, narrativa e análise espacial, as pessoas podem começar a produzir e partilhar o seu próprio conhecimento e suas narrativas, com o intuito que venham a ser instrumentos de contestação e negociação.”
, o webdocumentário piloto, foi concebido para dar resposta ao convite de algumas lideranças comunitárias e de um grupo de jovens na cidade Praia, alguns antigos membros de gangues, que ocuparam um edifício e o transformaram num centro comunitário, principalmente para o benefício das crianças
“O projeto responde essencialmente à vontade da comunidade ter voz e partilhar as suas estórias. O ato de ocupar um edifício abandonado, é uma reivindicação do direito ao espaço, é um ato de ocupação, um ato político. Estão a fazer uso do espaço e a mudar a dinâmica ao seu redor, o que tem ressonância em toda a vizinhança. Esperamos a proporcionar-lhes mais um local onde possam desenvolver as suas intervenções continuamente, documentar os seus lugares através de estórias e mapas, e representar a sua comunidade num mundo digital, para além dos limites físicos da comunidade”
“Acredito que a nossa formação como arquitetos e arquitetas, permite-nos fazer intervenções que não se limitam à construção física do nosso ambiente. O pensamento crítico e o design são ferramentas que nos permitem ter impacto não só na nossa profissão mas também na sociedade. Foi por isso que fiquei muito motivada pelo facto do Comité Diretivo do Concurso ter escolhido focar a premiação predominantemente em valores, mais do que em categorias. Esta abordagem facilita vários modos de pensar a nossa profissão e a nossa actuação para além das intervenções de construção.”
A arquitecta tenciona candidatar-se para o cargo de Bastonária da Ordem de Arquitectos de Cabo Verde. Ela acredita que para qualquer tipo de engajamento é necessário estar-se envolvida a vários níveis e em articulação permanente com a academia, com a classe profissional, as instituições e principalmente com as comunidades, a fim de desafiar o senso comum e ampliar a consciência do papel dos arquitectos e das arquitectas. Neste contexto, ela apoia incondicionalmente um prémio continental que reconheça outras formas de atuação inovadoras e de investigação crítica e multidisciplinar.
“Estou muito feliz pelo facto do processo de inscrição ser através de uma plataforma digital. É muito mais económico do que pela impressão, e os arquitetos e arquitetas jovens se beneficiarão das ferramentas visuais e de comunicação adquiridas através deste processo. Falando por experiência, posso dizer que quanto mais digital e visualmente ativos formos no nosso trabalho, mais alcance teremos.”